31 dezembro, 2010

MEMORIAL

Morri! Entre os dias 31 e 1º, ou seria entre 1º e 31, tanto faz.



Enquanto meu corpo seguia para sepultura, realizaram meu velório numa imensa sala com moveis coloniais acaju. Fixada na parede uma lista de todos os filmes que assisti e por algum motivo recomendei, ora por comoção, ora por fundamentos morais e uns poucos por pura diversão. Títulos de livros, fotografia de lugares e de pessoas formaram um mural com o título “Um pedacinho dela”.


Uma pequena multidão se reuniu em volta do que deveria ser meu caixão. Porém, a visão fúnebre gritou risos com a imagem de um filhote de cachorro com um imenso laço azul em volta do pescoço. O cão latiu, empinou o traseiro e correu em disparada rumando às crianças. Ouviu-se:


_ Isso é a cara dela!


Dia quente! Serviram sorvete com coberturas coloridas: granulado, confetes, morango com chocolate, caramelo com doce de leite.


Crianças com a boca melada, risinhos contidos, gargalhadas soltas.


“Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras!”


Sobre o balcão, próximo a entrada, ligaram o aparelho de som. Batuques iniciaram a trilha sonora do “Tarzan” o som era Phil Collins e a voz Eddie Mota:


“Pois no meu coração, você vai sempre estar...”.
Eu estava lá!


O cachorrinho girou em torno do próprio rabo e correu, cruzando a porta de entrada. Todos os seguiram. Embaixo de uma árvore de salgueiro chorão o cão sentou-se.


Crianças ofegantes, joelhos ralados, meias desfiadas.


Não havia lápide. Em seu lugar uma escultura em biscuit: uma menina com vestido laranja, cabelo repartido e preso com fita floral, brincando com uma bola; um menino de bermuda xadrez azul e verde, sem camiseta, cabelo crespo empinando uma pipa. Descalços, sorrindo.


Entalhado no tronco da árvore a frase: Um brinde a vida!


Acenderam uma fogueira, alguém puxou do bolso uma folha de papel e começou a ler Precauções Inúteis de Ledo Ivo. Um músico com seu ukulele dedilhou a versão havaiana de Somewhere Over The Rainbow. Alguém arriscou cantar:

“Uuuuu uuuuuu uuuuuu”

Crianças em rodas, na ponta dos pés giravam vestidos floridos e exibiam sapatinhos borrados com lama.


Foi minha melhor morte.

02 novembro, 2009

Sem razão de existir




"Devaneios...
e a impossibilidade de realizá-los.

Do rosto marcado brota um sorriso...
sem esperança.

Sob o olhar inundado um vasto mar...
sem controle, explode em lágrimas.

As mãos trêmulas anseiam tocar...
a sua volta apenas estilhaços de vidro.

Abafado pelas circunstâncias, o grito finalmente sai...
não havia ninguém para ouví-lo.

Permanece imóvel sob o eco dos elogios...
das críticas.

Sem forças põe-se em pé...
em mais uma tentativa frustrada.

Encontra uma porta...
como as anteriores está fechada.

O pobre coração está cansado das decepções,
desmancha-se em tristeza, e bate como pela última vez...

Reconhece que não pode,
mas insiste, quer lutar, não se dá por vencido.

Isso não o tornou herói,
mas me ensinou a viver."